Caso Americanas: o que dizem os especialistas em contabilidade
Em resumo, o valor de mais de 40 bilhões de reais em dívidas é resultado de uma operação que envolve os fornecedores e os bancos. Porém, o que é preciso destacar é que o processo da operação é comum, mas o grande problema enfrentado pela empresa estava na forma como o registro dessas dívidas era feito nas planilhas contábeis.
O processo era simples: o fornecedor recebia os pedidos e, antes da venda, a Americanas quitava o pagamento com um empréstimo do banco. Com isso, o fornecedor recebe e a companhia paga depois a instituição bancária com os juros. Isso é legal. O problema foi na hora de registrar esses valores.
Em vez de registrar a dívida financeira, a Americanas registrava no balanço a dívida com o fornecedor – que não tinha juros. E isso, ao longo de vários anos, causou o rombo bilionário na companhia.
O coordenador contábil da Atlas Inteligência para Gestão, Paulo Picarelli, falou sobre o caso e trouxe pontos importantes que as empresas podem se atentar para evitar riscos na contabilidade, comprometendo, assim, a saúde financeira da empresa.
Risco Sacado
A operação de Risco Sacado consiste em: seus fornecedores antecipam os recebimentos do varejista na data atual, com a taxa de desconto aplicada diretamente a ele e o varejista não precisa realizar a antecipação de recebíveis para quitar suas dívidas à vista. “É uma operação em que todo mundo ganha: o varejista melhora sua capacidade de negociação, afinal,“paga à vista”, o banco ganha os juros da antecipação e o fornecedor recebe antes para manter seu fluxo financeiro”, explica Picarelli.
Se a operação é comum, por que o rombo?
Picarelli explica que, mesmo que seja uma prática comum, o problema é que, ao antecipar o pagamento, o saldo contábil da conta de fornecedores em aberto com o valor original do título precisa ser segregado em duas partes:
- Separação da dívida com fornecedores em dívida Financeira: uma reclassificação contábil deduzindo a linha de fornecedores e transferindo o valor para obrigações financeiras, no valor total do título antecipado;
- O ajuste do valor antecipado à vista para o fornecedor: com a antecipação ao fornecedor, é necessário deixar no estoque apenas o valor da mercadoria adquirida com este título antecipado no valor quitado à vista, e o restante do valor a ser pago ao fornecedor se encaixa como uma despesa financeira. Essa redução no estoque tem como contrapartida uma conta redutora no passivo, a qual, no pagamento da dívida principal, deve ser reconhecido como despesa financeira a taxa deste valor antecipado.
O questionamento feito para entender como a Americanas não apresentou sinais de que estava passando por essa situação. Picarelli afirma que por mais que o preço das ações da Americanas estivesse consideravelmente bom antes da divulgação do rombo, era de se esperar que algo não estivesse bem.
O coordenador contábil também ressalta que, em relação aos números, ao olhar para o passivo da empresa, no último trimestre fechado divulgado, pôde ser analisado um aumento nas linhas de debêntures e empréstimos a pagar: 65% dos totais do passivo circulante e não circulante, e também, a redução da linha de fornecedores, o que, sem o rombo, já indicaria que a empresa está tomando recursos de terceiros para financiar sua operação.
Contabilidade criativa
A contabilidade criativa é uma estratégia adotada para maquiar as contas e, dessa forma, conseguir investimentos de terceiros ou obter financiamentos bancários. O maior problema é que, ao fazer isso sem os conhecimentos de um contador experiente, a empresa pode cometer graves erros, deixando de recolher os impostos devidos.
Ou seja, a empresa pode criar situações em que os relatórios financeiros não estão representando de forma real as atividades econômicas empresariais, mesmo estando seguindo as normas e regras contábeis. “Todos estes juros acumulados no período gera o rombo inicial de 40 bilhões, que pode ser bem maior após as análises e perícias a serem feitas”, completa Picarelli.
A análise
Ainda não é possível mensurar se foi um erro culposo da contabilidade, ou se houve interferência da Administração em manipular os resultados, visando diminuir as obrigações financeiras em seu balanço para melhorar a obtenção de crédito.
Entretanto, este é o momento de se reforçar que a contabilidade tem o papel principal de contar em números a história da organização e retratar com o máximo de credibilidade, relatando a verdade dos fatos, pois as consequências podem ser trágicas: ver a quebra de uma das empresas de Varejo mais tradicionais e pioneiras do Brasil, manchando o seu nome e colocando milhares de empregos em risco.
A contabilidade pode auxiliar explicando a natureza de cada número, de cada demonstrativo apresentado. Através dela, pode-se mostrar o resultado econômico e financeiro, ou seja, se a empresa é lucrativa e se está gerando dinheiro para os sócios e acionistas. “Como toda a história da empresa é contada pela contabilidade através dos números, cabe a nós, profissionais da área, contar essa história com o maior detalhe possível para que a tomada de decisão da empresa seja embasada com todos os detalhes e riscos conhecidos”, reafirma Picarelli.
Picarelli ainda fala que é possível a empresa se recuperar a voltar a crescer em um caso como esse. Mas, vale ressaltar que essa não será uma tarefa fácil, uma vez que depende de uma injeção financeira por meio de investidores para quitar as dívidas já existentes, e também, um trabalho para recuperar a confiança do mercado e de todos os que se relacionam com a empresa para entenderem que ela está trabalhando para sair dessa situação e que será uma nova página na história de agora em diante.
Recuperação judicial
No processo de recuperação judicial, a empresa vai tentar renegociar as dívidas. Então, vão chamar os bancos e fornecedores para tentar descontos e novos prazos. Isso tudo é um processo que costuma demorar meses, às vezes até anos.
Enquanto isso, a empresa poderá tentar vender alguns ativos. Por exemplo, pouca gente sabe, mas a Americanas tem outras lojas dentro dos shoppings brasileiros. Ela é dona da Imaginarium, Puket, rede Natural da Terra e Hortifruti, além de metade das lojas de conveniência do país com a BR Mania.