‘Leitura regrediu, escrita também’: mães e alunos falam do retrocesso na aprendizagem identificado em pesquisa
Lorenzo Marques, 10 anos, não consegue se concentrar nas aulas remotas. Muda de tela no celular, faz um exercício e já esquece, fica impaciente. Até o vocabulário mudou, depois de tanto tempo vendo vídeos na internet, segundo a mãe.
Ele passou do 4º para o 5º ano durante a pandemia. Ao final de 2021, vai terminar o primeiro ciclo do ensino fundamental na Escola Estadual Brasílio Machado e avançar para aulas com matérias mais complexas, que exigem maior capacidade de interpretação e pensamento abstrato. Mas a mãe Vivian Monteiro, de 39 anos, diz que ele está estagnado.
“Aprender eu acho que ele não aprendeu. Ele pega a lição, faz na hora, vira a página e depois esquece”, afirma.
Uma pesquisa divulgada nesta semana afirma que os estudantes estão com déficit de aprendizagem. A avaliação foi feita com 20,7 mil alunos do 5° e 9º anos do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio, todos da rede pública estadual de SP.
O maior prejuízo está nos alunos mais novos, do 5º ano. Comparado a exames de proficiência (que mede os conhecimentos em escala) feitos em 2019, é como se estes estudantes não só deixassem de avançar ao longo de 2020 mas também regredissem em relação a índices anteriores. O resultado acende um alerta para a educação e os impactos na aprendizagem.
Para recuperar os 46 pontos de aprendizagem perdidos em matemática na pandemia, seriam necessários 11 anos de investimentos em educação básica. Isso porque, historicamente, os índices do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), usados como “régua” de referência para a análise da UFJF, evoluem cerca de 4 pontos a cada ano.
“Significa dizer que o esforço do aluno precisa ser dez vezes maior do que se ele estivesse no percurso normal”, explica a coordenadora-geral do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Caed), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Lina Kátia Mesquita de Oliveira. “E o esforço do professor, da escola, da gestão curricular, de mostrar habilidades básicas e essenciais, condições de materiais institucionais. É um conjunto de esforços muito grande e diferenciado”, avalia.
Embora a pesquisa tenha sido feita na capital de São Paulo, os dados sinalizam o que pode estar ocorrendo em outras cidades.
Vizinha à capital, em Embu das Artes, Wallyson Felisdorio Silva, 10 anos, conta que tem dificuldades “nas contas de dividir no ‘vezes’ (multiplicação)”. Desde o ano passado ele está sem voltar à sala de aula da Escola Municipal Paulo Freire. Para estudar, reveza o celular com outros dois irmãos, de 12 e 8 anos. A professora faz uma videochamada duas vezes por semana, das 15h às 16h. Nos demais períodos, ele faz as atividades enviadas por WhatsApp.
“Eu prefiro a escola, tem a professora e ela ensina as coisas. Em casa, a aula é mais curtinha”, conta Wallyson.
“Ele não aprendeu muita coisa, dá para ver. Sempre estou na mesa por perto quando está tendo aula, vendo as dúvidas. Ele esqueceu, a leitura regrediu, a escrita também”, avalia a mãe Miriam Maria da Silva, de 31 anos.
Na casa da Jaqueline Aparecida da Silva, 27 anos, a maior dificuldade foi ter tempo para ajudar os filhos a estudar. Entre eles, Jamille Santana, de 10 anos, que está no 5º ano na Escola Municipal Hosue Morita Aoki, em Francisco Morato. “Eu trabalho, meu marido também. Tive que dispensar funcionário e o trabalho ficou em dobro. Pego domingo para sentar com eles e fazer as atividades. É quando tenho tempo”, relata.
Para a avó Claudia de Lima, 52 anos, que acompanha a menina, Jamille não avançou na aprendizagem. “De coração, ela não aprendeu nada. Ler, ela lê. Mas não escreve bem, tem a caligrafia feia, só sabe usar letra de forma. Até escreve com a cursiva, mas não tem muita desenvoltura.”
Já Maritelma de Oliveira, de 31 anos, mãe de Cauã da Silva, de 10 anos, teme pelo futuro do filho, que está no 5º ano da Escola Municipal Jardim Silva I, de Francisco Morato.
“Eles pararam no terceiro ano. Se tivesse que voltar novamente, teria que voltar de lá, nem que ficasse mais dois anos estudando na escola, porque isso vai afetar o futuro deles lá na frente”, relata.
“É muito tempo perdido para recuperarem em casa. A gente já tinha pouco e, o pouco que tínhamos, estão tirando. Não quero ver meu filho futuramente passando por algo que eu passei na minha vida, porque não aproveitei os estudos”, desabafa.
Como reabrir escolas
A equação para reabrir escolas tem fatores complexos. Segundo a Campanha Nacional pelo Direito à Educação seria preciso investir R$ 46 milhões para garantir o retorno seguro às salas de aula.
Mas o orçamento do Ministério da Educação (MEC) teve redução de 27%, segundo a entidade. Em cima dos recursos disponíveis, o governo ainda bloqueou R$ 2,7 bilhões – o maior corte entre todos os ministérios.
A redução ocorre em um momento em que seria preciso fazer obras para ampliar espaços, garantir maior ventilação, instalar pias para lavagem das mãos, por exemplo. Os dados do Censo Escolar de 2020 indicam que:
- 4,3 mil escolas (3,2% do total) não têm banheiros
- A internet banda larga não chegava a 15 mil escolas urbanas em 2019 (18,1%)
- 17,2 mil (20,5%) não têm internet banda larga para garantir a transmissão das aulas híbridas
- 35,8 mil escolas (26,6%) não têm coleta de esgoto
Em março, uma pesquisa apontou que quase seis em cada dez cidades do país (59,6%) ainda discutiam protocolos de biossegurança para reabrir as escolas municipais, mesmo um ano após a pandemia.
Na Câmara dos Deputados, tramita em caráter de urgência um projeto que pretende tornar a educação uma atividade essencial e impedir o fechamento de escolas na pandemia.
O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) afirma que “na prática, isso significa que, mesmo em situação de alto risco na pandemia, os estados e municípios serão obrigados a manter as aulas presenciais”.
“Enquanto as escolas não reabrem, é preciso fazer investimentos para que os estudantes que estão excluídos do sistema educacional tenham condições de fazer este acesso ao ensino remoto. Estima-se que 5 milhões de alunos estejam fora da escola por causa da pandemia”, afirma Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Enquanto o impasse não se resolve, Lorenzo seguirá acompanhando a mãe no trabalho em um comércio, quando não tem quem fique com ele em casa. Wallysson seguirá sem saber fazer divisões e multiplicações.
Jamille só poderá contar com a ajuda da mãe aos domingos e o Cauã corre o risco de ter no futuro as mesmas dificuldades que a mãe afirma ter encontrado na vida porque teve problemas com os estudos.