Após anomalia térmica no litoral da Paraíba, pesquisadores identificam recuperação de 42% dos corais da região
No começo do ano, pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) constataram que os recifes de corais do litoral do estado estavam passando por um grave processo de branqueamento em razão de uma anomalia térmica de nível 2 – o mais alto na escala da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA), resultando no branqueamento de mais de 90% das colônias de corais da região. Agora, novos mergulhos de monitoramento realizados em outubro mostraram que 42% desses corais já se recuperaram.
Apesar da boa notícia, os cientistas consideram este ritmo lento e alertam para os riscos trazidos pela chegada do verão. De acordo com eles, as altas temperaturas previstas para esta temporada e a atividade turística desordenada podem comprometer o processo de recuperação das espécies.
“A extensão da anomalia térmica foi bem grande, durou de março a julho. Os animais passaram muito tempo com a água aquecida além do que podiam aguentar. Tendo em vista esta condição, o índice de mortalidade foi relativamente baixo para os corais. Identificamos apenas uma colônia morta nesses novos mergulhos e grande parte já está se recuperando. O coral-estrelinha (Siderastrea stellata), por exemplo, que é endêmico do Brasil, mostrou-se bastante resistente. Contudo, os hidróides calcários da região (conhecidos como coral-de-fogo) – que assim como os corais também pertencem ao grupo dos cnidários e, juntos, são os principais construtores dos recifes no Brasil – apresentaram uma mortalidade de praticamente 100%”, lamenta a coordenadora do Laboratório de Ambientes Recifais e Biotecnologia com Microalgas (LARBIM) da UFPB, Cristiane Sassi.
Os pesquisadores do projeto de monitoramento dos corais da Paraíba, que tem o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, também observaram doenças como a praga branca (white plague) e a varíola branca (white pox), que não devem ser confundidas com o fenômeno do branqueamento. Enquanto este é resultante da perda das zooxantelas – microalgas que dão coloração aos corais e sem as quais eles ficam brancos e com seus esqueletos de carbonato de cálcio à mostra, visto que seus tecidos são translúcidos –, os dois novos distúrbios identificados são causados pela morte do tecido do próprio coral ou hidróide calcário, geralmente por algum tipo de infecção bacteriana.
Atividade turística desordenada
Os recifes são importantes para a atividade turística, uma vez que sua beleza é um grande atrativo para os visitantes. Entretanto, com a chegada do verão, as práticas desordenadas agridem os recifes na medida em que provocam pisoteio das espécies, batidas com nadadeiras, ancoragem dos barcos em locais inadequados e o vazamento do óleo de motores. “Os catamarãs deveriam levar no máximo 30 pessoas, segundo portaria da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), órgão ambiental do estado, para o período de flexibilização, mas não é o que está acontecendo. Estamos vendo as piscinas lotadas. Ficamos alarmados, pois os organismos marinhos não se recuperaram totalmente. Como o percentual de recuperação ainda é muito baixo, o cuidado ao visitar esses ambientes deve ser maior, pois eles estão fragilizados. A natureza se recupera, mas é preciso que a gente dê espaço para que isso ocorra”, diz Sassi.
Para discutir a promoção de políticas públicas que tenham em vista a proteção dos corais no estado, os pesquisadores estão marcando reuniões com a Sudena e com a Capitania dos Portos. Uma das situações mais graves é a do coral-de-fogo (Millepora alcicornis), um dos mais famosos do Brasil – que embora leve este nome é, na verdade, um hidróide calcário.
Para a coordenadora de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, Marion Silva, uma das principais contribuições de pesquisas como a de monitoramento de corais da Paraíba é justamente subsidiar políticas públicas que garantam a proteção da biodiversidade. “Estamos às vésperas da Década da Ciência Oceânica, estipulada pela Organização das Nações Unidas para o período de 2021 a 2030. O acesso à informação qualificada para todos é uma das principais necessidades apontada pela sociedade e pela comunidade científica nos encontros realizados este semestre, em todo o país, para a construção do Plano Nacional da Década. Somente assim poderemos promover uma cultura oceânica que desperte a consciência da importância dos mares para nossa sobrevivência e bem estar”.
Importância dos corais
Os recifes de corais são o segundo ecossistema mais produtivo do planeta, atrás apenas dos ecossistemas de estuários e manguezais. Por produtividade, entenda-se a geração de oxigênio. Em termos espaciais, eles cobrem 0,1% do fundo oceânico. No entanto, essa pequena porcentagem reúne a maior biodiversidade do planeta, sendo os recifes fonte de abrigo e nutriente para milhares de espécies.
Essas formações têm ainda a função de reduzir a energia das ondas, que chegam com menos intensidade às praias, diminuindo a erosão costeira. Economicamente, cerca de um terço das espécies de peixes utilizadas comercialmente pelo homem é encontrado nos recifes, fazendo com que muitas populações pesqueiras dependam diretamente da conservação desses ecossistemas.
Foto: Colônias do coral Siderastrea stellata doentes (partes brancas). Crédito: Fundação Grupo Boticário/Divulgação
Sobre a Fundação Grupo Boticário
Com 30 anos de história, a Fundação Grupo Boticário é uma das principais fundações empresariais do Brasil que atuam para proteger a natureza brasileira. A instituição atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e em políticas públicas e apoia ações que aproximem diferentes atores e mecanismos em busca de soluções para os principais desafios ambientais, sociais e econômicos. Já apoiou cerca de 1.600 iniciativas em todos os biomas no país. Protege duas áreas de Mata Atlântica e Cerrado – os biomas mais ameaçados do Brasil –, somando 11 mil hectares, o equivalente a 70 Parques do Ibirapuera. Com mais de 1,2 milhão de seguidores nas redes sociais, busca também aproximar a natureza do cotidiano das pessoas. A Fundação é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário. A instituição foi criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial.