Psicólogo fala como identificar e lidar com relações tóxicas
Os motivos para reconhecer uma relação tóxica são, muitas vezes, sutis e difíceis de serem identificados, mas dependendo da frequência com que se dão, podem ser observados com mais facilidade. De acordo com a Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), o abusador usará de críticas maldosas, acusações, xingamentos, desprezo, ironia, ameaças veladas, silêncio como forma de punição à vítima – geralmente mulher – e tudo mais que configure abuso psicológico para se manter no controle.
Um levantamento realizado pelo projeto Justiceiras também comprovou que o apelo ao psicológico é uma das principais formas de violência utilizada pelo parceiro para se manter no controle. A análise, que considerou os atendimentos prestados entre março de 2020 e setembro deste ano, mostrou que 82% das mulheres que buscaram ajuda alegaram violência psicológica, ou seja, se sentiram controladas em algum momento da relação.
Como alerta, em uma campanha de 2020, o Sesc e o Fundo de População da ONU (UNFPA) elaboraram um “violentômetro” com as fases da violência resultante de um relacionamento abusivo e o risco de cada etapa: baixo, médio e alto. No primeiro momento, o algoz fará piadas ofensivas, irá culpar, desqualificar, enganar, demonstrar ciúme excessivo e controlar. Depois, irá “brincar” de bater, beliscar, empurrar e chutar. Por fim, ameaçará de morte, forçará relações sexuais e poderá até matar.
Havendo a percepção da vítima na primeira fase, em que as atitudes abusivas ainda poderão ser confundidas com práticas não intencionais, será possível evitar as duas fases seguintes e episódios de violência psicológica, patrimonial, financeira, sexual e física, como pontua o psicólogo Felipe Laccelva dos Santos nos seguintes questionamentos:
Existe um ponto de alerta para identificar quando se está em um relacionamento tóxico?
Existe, e esse ponto é quando o “conhecido” passa a ser um “desconhecido”. Frequentemente, o tóxico começa uma relação apresentando-se como “a melhor pessoa”, ou seja, atencioso, paciente, carinhoso e afetivo. Entretanto, essas características começam a mudar no instante em que a outra parte se entrega ou demonstra sinais de corresponder a ele.
Quando isso acontece, é comum que aqueles que amam digam que se trata de uma mudança natural, associando-a ao tempo de relacionamento, costume, nível de liberdade e intimidade. No entanto, apesar das explicações para os motivos de uma eventual mudança de personalidade, nenhum deles podem ser justificados quando ficam evidentes sinais de violência, desagrado e/ou desamor.
Qual a maior diferença entre um relacionamento saudável e um relacionamento tóxico?
Diferentemente de um relacionamento saudável, onde os desentendimentos costumam ser resolvidos após uma conversa em que ambas as partes têm garantido o direito de expressão, o relacionamento tóxico não abre espaço para diálogo. Ambos guardam essas chateações para si ao longo do tempo e acabam “jogando tudo no ventilador” quando uma discussão acontece, mesmo que o motivo inicial seja outro. Se não houver esse canal aberto de comunicação, a relação vai entrar em desarmonia.
O que fazer para não viver um relacionamento tóxico e suas fases?
Para não viver um relacionamento tóxico é necessário não apenas identificar quando se está em um, mas, também, se desvencilhar de crenças que podem ser usadas por parceiros tóxicos para manter a vítima presa a ele. Um dos desafios humanos é compreender que as relações são baseadas em ideais que não existem, por exemplo, a crença de que existe a outra metade, que ciúmes refletem apenas o medo de perder ou sobre a impossibilidade de ser feliz sozinho.
Muitos desses mitos vêm de histórias transmitidas há gerações, mas que não condizem com o mundo real. Afinal, o ser humano é uma pessoa completa por si só, pode e precisa ser feliz sozinho e o ciúmes retrata mais uma questão de posse que de cuidado. Assim, sempre que existem esses mitos dentro da relação, o parceiro tóxico pode usar isso a favor de si, incumbindo culpa ao outro.
Como é o parceiro tóxico?
O parceiro tóxico, em razão até mesmo de ideais da vítima, é aquele que priva o outro de fazer coisas por ciúmes, que diz qual roupa deve vestir ou como deve se comportar, inclusive para que ele não fique com vergonha ou não precise ser rude. Ao mesmo tempo, é aquele que está sempre buscando falhas no que o outro faz.
Frequentemente, isso cria um ambiente de estar “pisando em ovos”, isto é, um medo constante de errar, decepcionar o outro, despertando sintomas ansiosos, estresse e mais.
O que mais pode estar presente em um relacionamento tóxico?
As relações tóxicas também possuem um alto nível de críticas e negatividade, aliando-se a um típico romance conto de fadas: no início, acredita-se que encontrou a pessoa perfeita e, só depois, fica evidente que contos de fadas não existem e que as histórias infantis também não contam o que há após o casamento.
Basicamente, essa perspectiva pode ser comparada ao Ciclo da Violência Doméstica: as coisas estão bem, acontece algo que gera um ato violento, surge o arrependimento e volta a fase de tensão. Essa violência pode ser de diversos tipos, desde a física, até as críticas em excesso, desmerecimento, psicológica, patrimonial e outras, com foco em reduzir o outro, rebaixando a autoestima e autoconfiança, causando desconforto, criando um clima de tensão e ansiedade constante.
É possível lidar com relações tóxicas? Como?
Inicialmente, aquele que se sente desrespeitado deve buscar atendimento psicológico individual para fortalecer a autoestima e conseguir se opor às críticas, bem como ter uma perspectiva diferente daquela que lhe é apresentada pelo tóxico. Em seguida, é indicada uma conversa clara e honesta entre os parceiros, a fim de delimitar a relação, expor o ponto de vista do outro e conseguir estimular/iniciar uma mudança, podendo ser lenta e gradativa.
No entanto, o afastamento, às vezes, pode ser a única alternativa para acabar com um relacionamento tóxico e isso precisa ser compreendido. Quando o outro não aceita/admite determinada coisa, o afastamento pode ser a única alternativa viável para garantir saúde física e mental, pois há parceiros que prometem mudar e realmente mudam, por um curto período, mas, depois, voltam aos mesmos hábitos, funcionando como uma maneira de prender o outro.