Resistência antimicrobiana é problema invisível de saúde

A resistência antimicrobiana (RAM) é um problema de saúde pública global, uma verdadeira pandemia invisível e silenciosa, que ocorre quando microrganismos como bactérias, vírus, parasitas ou fungos resistem a tratamentos que antes eram eficazes. Aliada ao desinteresse crescente das empresas em desenvolver novos medicamentos, a RAM é um problema complexo que exige intervenções urgentes.

Entre as iniciativas estão tornar mais acessíveis à população as inovações em diagnóstico, incorporar estratégias que permitam um diagnóstico mais rápido e acurado, otimizar o uso de dados em microbiologia, investir na formação de profissionais e fomentar programas de gerenciamento de antimicrobianos (Antimicrobial Stewardship). Essas foram algumas das constatações do II Encontro de Resistência Antimicrobiana bioMérieux, que reuniu 62 profissionais de saúde em São Paulo, de hospitais, laboratórios, sociedades médicas e operadoras de saúde, no último dia 06 de novembro.

O encontro foi dividido em oito painéis, que abordaram temas como os desafios da sustentabilidade no sistema de saúde, incorporação de novas tecnologias na perspectiva do diagnóstico, inovações da microbiologia no diagnóstico de doenças infecciosas, o impacto clínico do diagnóstico da sepse, desafios da vigilância da resistência antimicrobiana, impacto de um sistema de gestão de microbiologia na gestão hospitalar e o valor da informação para o Stewardship.

Em todo o mundo, a resistência aos antibióticos levou a pelo menos um milhão de mortes a cada ano desde 1990, com taxas crescentes de infecções resistentes a medicamentos, que devem custar mais de 39 milhões de vidas até 2050, de acordo com estudo recente do Projeto Global de Pesquisa sobre Resistência Antimicrobiana (GRAM), uma parceria entre Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) e Oxford. Isso significa três mortes por minuto.

“O antibiótico está sendo muito mal-usado no Brasil. E essa questão da demora da verificação do tipo de organismo com o qual se está lidando, sem dúvida, acaba levando ao uso desnecessário, inclusive em animais”, avalia Gonzalo Vecina, médico sanitarista, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP.

“É preciso informar as pessoas de que não existe remédio milagroso, que os antibióticos têm que ser prescritos por médicos e utilizados dentro de protocolos orientadores. Isso também tem que chegar à categoria médica, porque conhecer o impacto econômico dessa situação é muito importante. Ela acontece pela coleta de dados que podem alterar nosso comportamento, tanto do ponto de vista da segurança do paciente, das vidas salvas, quanto da quantidade de dinheiro que estamos jogando fora”, alerta o especialista.

“A resistência bacteriana no Brasil ainda é uma causa de especialistas, onde microbiologistas e infectologistas entendem a gravidade e lidam com ela diariamente, mas que ainda não preocupa a sociedade em geral. É preciso conscientizar as pessoas para atitudes simples, como não descartar medicamentos no lixo comum e sim nas farmácias, para que tenha um tratamento adequado e evitem contaminar o meio ambiente”, diz Ana Paula Cury, coordenadora do Laboratório de Microbiologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, do Hospital São Paulo e coordenadora-executiva do projeto CEPID – ARIES (Antimicrobial Resistance Institute of São Paulo – Instituto Paulista de Resistência aos Antimicrobianos).

Na opinião da Dra. Ana Cury, o desconhecimento leva as pessoas a prescreverem e tomarem antibiótico para infecções virais, quando ele é indicado para matar bactérias. Em muitos casos, o próprio paciente exige do médico uma receita, o que em caso de recusa acaba gerando uma má avaliação sobre o profissional.

“Tomar um medicamento desnecessariamente mata bactérias sensíveis e induz a mutações. Elas passam a ser resistentes e começam a se multiplicar no organismo. Quando de fato precisarmos de um antimicrobiano, ele não vai funcionar. Se houver resistência aos antibióticos, toda a cadeia de tecnologia envolvida na medicina moderna será quebrada, colocando o paciente em risco. Encontros como esse agregam valor no sentido de pensarmos juntos o que fazer agora para minimizar os desastres que vão vir da resistência bacteriana”, completa.

“A troca de experiências entre profissionais de diferentes áreas, como farmacêuticos, microbiologistas e infectologistas nos faz adquirir uma nova visão e nos atualiza a respeito da possibilidade do uso de métodos diagnósticos, testes rápidos, e como isso pode influenciar a nossa prática médica, com o olhar do custo-efetividade. Podemos ter um teste que pode custar mais caro, mas precisamos nos atentar ao benefício que essa metodologia pode trazer ao paciente”, afirma Ana Cristina Gales, professora de Infectologia do Depto. de Medicina – Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e vice-diretora do CEPID – ARIES (Antimicrobial Resistance Institute of São Paulo – Instituto Paulista de Resistência aos Antimicrobianos).

“Diante de todos os dados apresentados, saímos mais preocupados desse encontro do que chegamos, porém com mais responsabilidade, pois para os infectologistas a batalha é cada vez maior. Devemos atuar em conjunto, a indústria farmacêutica, a academia, os profissionais, as instituições, e o Ministério da Saúde deve estar à frente para trilharmos esse caminho, de tentar mitigar o avanço da resistência a antibióticos. Não é mais aceitável primeiro medicar e depois fazer diagnóstico”, avaliou Fernando Oliveira, diretor-geral da bioMérieux Brasil.

‟Se antes nosso entendimento sobre diagnóstico é que ele deveria servir para a tomada de decisões por parte do médico, o que pretendemos no futuro próximo é que ele possa fazer uma análise preditiva dos dados, com ferramentas que o ajudem a organizar essas informações para serem utilizadas em tempo real, com o apoio da inteligência artificial, e assim ser mais efetivo. Esse é o novo valor que enxergamos para o diagnóstico, nossa responsabilidade e missão”, concluiu o executivo.