Vaga afirmativa é eficaz, mas não deve ser única estratégia de diversidade
A criação de vagas afirmativas para profissionais de grupos minorizados, embora eficaz na ampliação da diversidade numérica das empresas, não deve ser a única iniciativa de correção de assimetrias nas organizações.
A observação é da consultora de diversidade, equidade e inclusão (DE&I) Letícia Rodrigues (imagem), sócia-fundadora da Tree Diversidade, que realizou recentemente uma mentoria para profissionais de recursos humanos sobre estratégias de diversidade corporativa.
“Muita gente critica o fato de a ação afirmativa ser dirigida a um dado grupo, mas ela não é a única ferramenta que, comprovadamente, ajuda a acelerar a correção de disparidades. Nossa sociedade tem assimetria de oportunidades. As organizações também têm essa característica, mesmo que não enxerguemos isso”, aponta.
A consultora lembrou que ações afirmativas são utilizadas há pelo menos três décadas no Brasil para corrigir disparidades. Entre os principais exemplos, ela citou as leis de reserva de pelo menos 2% das vagas em empresas para pessoas com deficiência, instituída há cerca de 30 anos, e de metade das vagas no ensino público superior para alunos negros, indígenas e egressos de escolas públicas.
Para a consultora, em todos os casos, essas políticas produziram avanços no acesso ao mercado de trabalho e ao ensino superior, mas ainda não cumpriram o objetivo de eliminar as disparidades que se propuseram a corrigir, seguindo, portanto, sendo necessárias. A especialista aponta, ainda, que mais do que dar acesso às vagas, é preciso corrigir disparidades com abordagens específicas para cada situação.
Atualmente, a maioria das iniciativas de diversidade corporativa focam em corrigir a baixa prevalência de mulheres na alta gestão e a concentração de pessoas negras na base das organizações. Em algumas empresas também é possível ver ações voltadas à comunidade LGBTI+ e pessoas mais velhas. Mas ainda são raras as iniciativas para incluir pessoas trans, que sequer acessam o mercado de trabalho.
Para cada um desses recortes interseccionais, Rodrigues aponta a necessidade de estratégias pensadas segundo a realidade de cada empresa e, principalmente, das possibilidades profissionais das pessoas em cada grupo.
No caso das pessoas negras, por exemplo, que até podem ser encontradas em boa prevalência nas empresas, o objetivo das iniciativas deve ser voltado ao acesso à liderança e às oportunidades de desenvolvimento e crescimento.
Na visão da consultora, as ações deveriam focar, portanto, na promoção de equidade e na eliminação de barreiras visíveis e invisíveis que atualmente dificultam a evolução de pessoas negras em suas carreiras (inclusão).
Como exemplo de ação efetiva, ela destaca os trainees para pessoas negras da Bayer e da Magalu, que vão permitir a essas empresas futuramente aumentar a prevalência de profissionais negros na liderança, possivelmente também no c-level e nos conselhos.
No recorte das mulheres, já encontradas com alguma prevalência na média gestão das empresas, a prioridade é criar estratégias para alçá-las ao c-level e aos conselhos, o que pode ser alcançado com estratégias de visibilidade para elas e outras ferramentas.
Nessa frente, Rodrigues também citou a importância da recente iniciativa de autorregulação das empresas de capital aberto, de incluir em seus conselhos ao menos uma mulher e outro conselheiro vindo de outro grupo minorizado, prioritariamente uma pessoa negra.
Embora modesta, a iniciativa na visão da consultora representa um começo importante, que não desobriga as empresas de futuramente ampliá-la até que a prevalência de mulheres e pessoas negras nos conselhos seja ao menos próxima da demografia social.