Após estudo, economista afirma que ZFM precisa ser renovada para sobreviver à reforma tributária
O modelo Zona Franca de Manaus (ZFM) só vai sobreviver a reforma tributária que está sendo proposta pelo Governo Federal, se for compreendido como uma política de desenvolvimento regional. E, para que isso aconteça, é imprescindível o modelo passar por um processo de atualização, modernização, com a implantação de novos pólos econômicos, preferencialmente aqueles que tenham a capacidade de se auto-sustentar na região, com insumos locais, como a bioeconomia, o ecoturismo e a mineração, por exemplo.
Esse é o pensamento do economista Márcio Holland, coordenador do estudo “Zona Franca de Manaus – Impactos, Efetividade e Oportunidades”, encomendado pelo Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam) e apresentado na reunião do Conselho da entidade, realizada na última quarta-feira, em Manaus.
Doutor em Economia e pós-doutor pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos (EUA), e professor da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Márcio Holland coordenou um grupo de pesquisadores que durante oito meses, fez um diagnóstico do modelo Zona Franca de Manaus, pontuando aspectos como geração de emprego, desmatamento, desenvolvimento tecnológico, indicadores sociais, e, principalmente, indicando alguns caminhos a seguir para que ele possa ser preservado a partir da reforma tributária que deverá ser feita no país.
Nas palavras do presidente do Cieam, Wilson Périco, um trabalho único e inédito, que ele espera, possa esclarecer em definitivo, questões importantes da região e que possa influenciar em futuras, que a classe empresarial espera, sejam acertadas, por parte dos governos estadual e federal.
Avaliação crítica
De acordo com Márcio Holland, o estudo deixou claro que faltou fazer uma avaliação crítica ao longo dos mais de 50 anos de criação do modelo. Ele argumenta que os programas de desenvolvimento, as políticas públicas, qualquer que seja, precisam passar por uma avaliação da sociedade. As metas, objetivos, estratégias, os caminhos a seguir, precisam ser avaliados.
“A ZFM tem mais de 50 anos e foi renovada por mais 50 anos, até 2073.
Programas longevos como esse, requerem que os agentes responsáveis por ele, parem para refletir e fazer uma avaliação crítica. Não tem problema nenhum quanto a isso. Não me parece inadequado um debate sobre o que fazer, onde melhorar, no que melhorar”, afirma.
O estudo não deixou dúvida, segundo Márcio Holland, de que a Zona Franca de Manaus precisa passar por um processo de atualização, modernização, de melhoria de governança, de melhoria em termos de transparência dos resultados, custo do modelo, benefícios esperados, condicionalidades. “Isso tudo é muito bem vindo, porque evita essa conversa de você ficar, recluso, com medo da crítica. Eu acho que tem que trazer o debate crítico e o pluralismo nessa discussão do modelo ZFM, para virar um assunto nacional”, opina.
Desenvolvimento regional
Segundo Márcio Holland, o estudo comprovou que o Polo Industrial de Manaus (PIM), base de sustentação do modelo ZFM, tem vários modelos de negócios entre os mais de 450 projetos instalados, com uma agregação de valor extraordinária, uma verticalização muito grande. Um exemplo do que indica o estudo é o polo de duas rodas, onde o processo produtivo se inicia com um lingote de alumínio e termina com a uma motocicleta de última geração pronta para ser pilotada.
Entretanto, isso não é suficiente para ele possa ser sustentado como projeto de desenvolvimento regional, se sobrepondo a lógica da reforma tributária pretendida pelo governo federal, onde a linha de corte é a criação de um imposto único.
Para que a ZFM seja reconhecida e sustentada como modelo de desenvolvimento regional e passe pela reforma tributária, Márcio Holland recomenda o desenvolvimento de novos pólos econômicos, preferencialmente aqueles que tenham uma capacidade de se auto-sustentar na região, com insumos locais, a bioeconomia, o ecoturismo.
“Esses programas, em geral, serão muito importantes para sustentar uma nova política, não só de adensamento da cadeia produtiva – isso já existe no polo industrial de Manaus – mas sim de interiorização do desenvolvimento econômico. Tem a parte de calçados, têxtil, que também poderia se desenvolver aqui. Tem cosméticos, biofármacos, produtos biológicos, medicinais, mineração. Tudo isso caberia aqui nessa região, de forma sustentável, mantendo a floresta em pé, tendo compensação ambiental adequada”, recomenda.
Márcio Holland vai mais longe e afirma que um dos maiores desafios para a economia do estado do Amazonas, a partir da ZFM, é desenvolver mais pólos econômicos, especialmente no interior do estado.
Outra indicação do economista é uma maior interação das universidades, estadual e federal, com a agenda de pesquisas na indústria 4.0, da transformação digital em geral. “Elas precisam se modernizar, passar por um choque de gestão”, afirma.
Algumas conclusões do estudo:
• Quanto menor foi a atividade industrial na ZFM, maior o desmatamento no Estado;
• Em percentual dos gastos tributários totais do país, a ZFM caiu de 17,1%, em 2009, para 8,5%, em 2018. Este percentual nominalmente vem caindo enquanto no resto do país aumenta;
• A arrecadação federal do Amazonas compensa, em parte, as renúncias da ZFM;
• Presença da indústria na região permite a geração de elevada arrecadação estadual e municipal;
• Segundo o IBGE, o Amazonas é o 3º Estado com maior participação dos tributos no PIB Estadual;
• Amazonas é o 7º Estado com maior participação na Arrecadação Federal em relação ao PIB Estadual;
• Para cada R$ 1 gasto com incentivos para a ZFM, a renda da região metropolitana de Manaus cresce mais do que R$ 1. No Brasil, na média geral, gastos governamentais tem multiplicador fiscal bem inferior à unidade;
• Criação da ZFM permitiu a constituição de um sofisticado parque industrial na região;
• Enquanto se adiciona de valor no estado de Amazonas 49,2%, no restante do Brasil está em 43,6%;
• A indústria no Amazonas agrega mais valor por cada R$ 1 produzido do que a média da indústria de transformação brasileira;
• Promoveu o crescimento da renda per capita acima da média nacional;
• Em 2010, a renda per capita do São Paulo (R$ 30 mil) era 1,8 vezes maior do que a do Amazonas (R$ 17 mil). Em 1970, no começo da ZFM, a renda per capita de São Paulo (R$ 17,4 mil) era 7 vezes maior do que a do Amazonas;
• Proporcionou a expansão da escolaridade na região;
• A escolaridade média dentre os trabalhadores da indústria de Manaus é cerca de 3 anos superior a média se ela não existisse;
• Melhoria da infraestrutura e nas condições de moradia da população;
• Representatividade do emprego formal na RM de Manaus é significativamente maior do que nas regiões que formam o grupo de controle;
• Os salários na indústria se mantêm estável e acima da média.